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segunda-feira, 22 de junho de 2020

102 > De passagem na pandemia, Perfeito Fortuna

Com o acúmulo de lembranças e novas histórias, e o repentino tempo disponível forçado pela quarentena necessária no enfrentamento da pandemia, diante do "novo coronavírus" da Covid-19, entre outras tragédias e desgraças no Brasil, em especial, e em todo o mundo, pois então, que se reabra o Blog da Turma de Olaria!
Marcando mais este momento histórico da nossa pequena história mergulhada na História, trago do blog Bonecos da História uma postagem sobre um dos nossos personagens que virou celebridade.

Quem reapareceu no noticiário, por conta dos recém completados 70 anos, com direito a matéria de página inteira em O Globo, sintetizada em vídeo afetuoso no YouTube (ambos os registros feitos por sua filha jornalista Maria Fortuna), e justamente quando eu me preparava (há mais de um mês, que na quarentena o tempo é relativo...) para falar dele nos Bonecos da História, foi o meu velho amigo, o agitadíssimo agitador Perfeito Fortuna.
Perfeito Fortuna em Trate-me Leão - Rio, 1977 - foto Guina Araújo Ramos
Quando digo "velho amigo" estou falando de mais de 50 anos. Eu o conheci em 1968, quando comecei a conviver com a chamada Turma de Olaria, grupo de jovens da igreja São Geraldo, católica, em Olaria, na Zona da Leopoldina, Rio de Janeiro. Nessa turma, Perfeito Fortuna era um líderes inconteste, a ponto de ser preso pela ditadura na noite do AI-5, indo passar uma temporada "animando" o xadrez, como relembra Caetano Veloso.
Antes disso, Perfeito foi não só o Severino, mas também um dos criadores da peça Morte e Vida Severina que montamos no porão da igreja e excursionamos pela redondeza. E fizemos incríveis viagens de carona, a começar pela antológica viagem a Foz do Iguaçu, feita por 14 jovens em grupos paralelos, via Presidente Prudente, navegando pelo Rio Paraná. 
E eu ainda fiz parceria com ele, entre outras aventuras, por conta das amizades com os padres que passavam pela nossa igreja, em uma surrealista viagem de carona do Rio a Presidente Prudente, e daí a Goiandira, Goiás, para visitar um padre americano que conhecemos em Olaria. E fizemos outras, coletivas, incluindo a viagem para uma pesquisa em Goiandira, da qual a anterior fora preparatória.
A partir daí, Perfeito Fortuna fez o que lhe cabia: mergulhou no mundo cultural do Rio de Janeiro!
Perfeito Fortuna e elenco da peça Trate-me Leão, Teatro Dulcina, Rio, 1977
Foto: Guina Araújo Ramos
Nem bem se dissolvera a Turma de Olaria, assumiu o seu teatro (e até reconstruiu o Cacilda Becker), e nisso se enturmou com o grupo "Asdrúbal trouxe o trombone", pontificando na montagem da peça Trate-me Leão, que fotografei inúmeras vezes, no Teatro Dulcina, na Cinelândia, e no Teatro Ipanema.
Perfeito Fortuna em seu escritório na Fundição Progresso, 2011
Foto: Guina Araújo Ramos

A partir daí, impulsivo mas lúcido, como sempre foi (e já contou as suas histórias várias vezes), inventou o Circo Voador no Arpoador, que decolou e parou na Lapa. 
Continuou viajante, dos altos astrais do Acre às performances expressivas em filmes e novelas. 
E retornou à Lapa, sempre se descolando, para se tornar a âncora da Fundição Progresso, uma espécie de novo sustentáculo dos Arcos e da noite.
Mestre Finfa e Perfeito Fortuna - festa na Fundição Progresso
Foto: Guina Araújo Ramos, 2011
Lá, em 2011, recebeu, para o que chamamos de "Um encontro perfeito", toda a Turma de Olaria, e mais a parceira Turma de Manguinhos, e ainda o lançamento do livro Estrela miúda - breve romance infinito, de Fábio Daflon, sobre a sua sobrinha Kika, figura icônica da turma de Olaria.
Foi sensacional! Resultou numa festa de arromba, uma incrível bacalhoada (afinal, Perfeito é português) com que comemoramos os 40 anos desta ampla amizade geral.

Além desta acolhida às antigas turmas da juventude, Perfeito também abriu espaço na Fundição Progresso para o lançamento do meu livro "2112 ...é o fim!", em 2013, em evento organizado por seu irmão Biel Fortuna no espaço cultural Mercado Fundação.

Todo o resto, e tudo isto que citei aqui, é história. 
Perfeito Fortuna se tornou esta figura que, apesar das pandemias, sempre destrinchou, e lhes deu o melhor dos sentidos, os pandemônios culturais que criou, encontrou ou encarou. 
E eu estou, e fico, para tentar simplificar, feliz para sempre por ter tido alguns inesquecíveis momentos de parceria com Perfeito Fortuna em sua deslumbrante trajetória na história cultural do Brasil.

 

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

020 > Tempos que deixaram saudade. Ou não...

Carlos mandou este texto, que diz tudo.

São 40 anos e a vida de cada um tomou rumos diferentes. Daí as pessoas serem hoje, às vezes, muito diferentes do que eram. Ou não. O que pesa na nossa história é termos nos formado adultos a partir de um tempo de convívio íntimo que nos deu valores, ética, projetos de vida e permitiu reflexões do vivido a cada momento. Aquele tempo era muito especial. Não o tornei um fetiche. Era um tempo com alegrias e tristezas, esperança e desesperança, satisfação e decepção. Como todo o tempo da vida. E essa mesma vida que nos dirige a todos, guardando o inesperado a cada dobra de esquina, nos leva a sermos o que somos e não querermos, mesmo que provisoriamente, algo ou alguém. Isso é o que penso sobre o episódio. Tudo bem! Ficamos com o que temos e que é muito bom.
Alguém tem alguma dúvida da crueldade presente em crianças e adolescentes? Quem duvida sofre de amnésia! Alguns mais do que os outros cometem absurdos para os adultos que somos. Fiz e fizemos um monte de "maldades", mas faz parte do jogo da adolescência. A turma, a panela, o grupo, o grupelho são estratégias de sobrevivência no cotidiano.
Pensem bem. Quem foi adolescente nos idos dos 60 enfrentou um tempo de mudança brusca dos costumes. Um movimento de mudança que gerou conflitos geracionais enormes, sofrimentos necessários para compor os adultos éticos que tenho certeza somos hoje. Meio assustados com o resultado dessas mudanças todas. Fico pensando o que seria uma Adriana, ou uma Cristina, ou uma Lúcia ou uma Vera ou Natália e todas as outras, enfrentando a barra de serem mulheres em um tempo de afirmação de uma nova mulher, completamente oposta as desperate housewives que eram as nossas mães; a maioria, pelo menos. Fico pensando o que eram os Luizes, os Augustos, Os Luíses Césares, os Paulo, os Emílios, os Paulinhos, os Guinas, os Dervais e todos os outros enfrentando a barra de serem homens diante dessas novas mulheres. Foi foda, né? Mas a gente sobreviveu e muito bem, acredito. Penso que a Turma de Olaria foi fundamental para nossa bagagem ética, nosso compromisso com o Humano e o mundo. Tenho muito orgulho desse tempo, em que pese os exageros, a irreverência, a maledicência do momento. Era tentativa de afirmação e diversão e de enfrentamento. Lembro do casamento do Charles, completamente fora dos padrões e que a noiva dele, por sinal, belíssima, disse na hora da troca de alianças que se casava com ele porque o amava e o amava porque ele era um homem que amava os outros homens. Isso ficou lá dentro da minha cabeça e da minha pessoa e resume bem o que creio que ficou para todos nós daquele tempo.
Meu pai (que já morreu e a quem o Luiz alcunhou de China - acho que por causa dos olhos rasgados, herança índia da Dona Philomena, minha avó) certa feita me mandou cortar os cabelos. Logo eu, Beatlemaníaco junto com a Rosinha, minha vizinha da Rua Antônio Rego, 82. Éramos um fã clube de dois no início da adolescência! Pois é, meu pai mandou cortar o cabelo. Fui ao barbeiro, nas Cinco Bocas e dei uma aparada básica. Voltei feliz da vida me achando um Paul MacCartney! Quando cheguei em casa ele quase me cobriu de porrada! Me mandou de volta e ordenou ao mesmo barbeiro que cortasse meu cabelo à Príncipe Danilo. Sai Paul, entra aquele sebosinho que não lembro o nome e que contracenava com a Janeth MacDonald nos musicais dos anos 20. Humilhado, voltei pela rua me achando um lixo e jurando fugir de casa quando completasse 18 anos. Só saí com 27.
Era esse tipo de coisa que a gente vivia e que nossos filhos e netos vivem hoje também. De outro jeito, mas com a mesma intensidade.
Por falha do administrador, faltava o trecho final do texto, que entra agora, 20/10:

Irreverentes. É. Era o que éramos, mas como forma de expressão do baita conflito. Confundíamos as coisas muitas vezes. Éramos arrogantes em tantas outras. Gente! Nós praticamente acabamos com as procissões. Lembram da enquete que fizemos para decidir se o povo queria aquilo ou não! Isto é de uma arrogância tremenda! Talvez eu tenha sido um dos mais irreverentes de todos!
Não sei bem em qual experiência teatral chegou pelas bandas de São Geraldo um cara que se propôs a ser diretor do espetáculo. Era um cara barbudo, meio esquisito, pelo menos é assim que me lembro dele! Em um dos ensaios eu estava aprontando todas, perturbando a disciplina do momento e ele, provavelmente pelas coisas que eu estava dizendo e/ou fazendo, me chama a atenção: Êh! Se aquieta aí, Leila Diniz!
Na hora fiquei ofendidíssimo, ferido no masculino! Mais tarde lembrando do episódio, percebi que foi um dos maiores elogios que recebi na minha vida! Irreverente, provocador, corajoso, indiscreto, exposto - Adolescente!!!
Querem mais? Fica para um outro capítulo. Afinal, isto não é uma biografia.
Beijo
Carlos


Ou não diz tudo?...
O que deixou (e o que não deixou) saudades da vida daqueles tempos?