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terça-feira, 30 de novembro de 2010

035 > Pedindo carona com Perfeito Fortuna até Montevidéu no Uruguai

. Avenida Brasil, altura de Olaria – Sem destino, sem dinheiro, sem democracia, apenas com polegar implorando por uma carona numa noite fria e chuvosa de inverno. Eu, brasileiro de maior com 23 anos de idade, acompanhado de um português do Porto, de menor com 17 anos de idade, que de perfeito e fortuna só tinha no nome, embora espiritualmente fosse merecedor.
. Jamanta – Após uma hora de “new mendicant”, eis que pára um caminhão grande transportador de carros, que para nossa sorte no momento não levava nenhuma carga. Subimos na carreta e logo que essa jamanta começou a se movimentar começamos a perceber que nada seria fácil. Era, além de frio e chuva, também vento e perigo.
. Resende – Duas horas de desconforto rodando pela Rodovia Presidente Dutra e rolando na carreta, saltamos neste município. Tudo escuro, meia noite. Andamos um pouco para avistar a visível Academia Militar das Agulhas Negras e não enxergar a idéia de jerico que estávamos tendo: pedir para dormir lá, em plena Ditadura. Resultado...
. Caminhão – Nós sentados na cabine, no volante um caminhoneiro dirigido por “rebite”, fumo diverso e bebida variada, trocando freio por acelerador, sob a suspeita de anfetaminas. Quando deu carona a uma prostituta a nossa suspeita se confirmou, pois ele ficou eufórico com a cortesã e alucinado com a gente em pensar que éramos “inimigos”.
. Piedade – Por ciúme e compaixão fomos abandonados perto deste município de São Paulo. O jeito foi criar as premissas para o movimento dos sem teto. Pela manhã numa igreja, jogando aquele conto do vigário no padre, demos uma palestra sobre dinâmica de grupo que deu para arrumar uns trocados.
. Mahtma – Eis que surge uma grande alma, só que gêmea. Dois seres humanos, para nós perfeitos, nos colocam no seu carro com conforto. Numa parada perguntam se vamos comer, resposta mentirosa “não, não estamos com fome”. Dizem eles: “Então sentem conosco para fazer uma boquinha”. O que acabou virando um bocão.
. Curitiba - Noite gélida. Com referência na casa de uma pessoa, lá fomos nós bater na porta dela. Que furada! Eram tanto filhos, parentes e, se bobear, amigos, que não havia a menor chance de acomodação. Pedimos desculpas àqueles com cara de sono pelo importuno da hora, agradecemos a sinceridade do “não há vaga” e tocamos a andar sem rumo.
. Mahtma II – Sabe quando um desespero bate, adormece, sonha com um anjo que aparece, milagre vem, só que não lembra de nada?... Pois bem, foi isso que aconteceu. Eu só sei que fomos transportados para Caxias do Sul no Rio Grande do Sul indo parar de fronte a mansão de quem havia patrocinado o maior evento do gênero na América Latina.
. Palacete – Estamos dentro dele acolhidos por cobertores, lareira acesa e cheio de comida. Contando uns acham que não foi prodígio não, consideram que de uma boa conversa ninguém escapa. Naquela ocasião, desconfiei que fora admiração, um compartilhamento de uma aventura que talvez quisessem fazer mais que faltasse coragem de realizar.
. Ambulância - Chega ao nosso socorro quando já não agüentávamos mais de tanto pedir carona. Entramos todos contentes naquele carro de transporte de doentes e feridos. Só que a alegria durou pouco. A expectativa de ir para Porto Alegre, viagem de duas horas se transforma numa de 12 horas de quase mil quilômetros na fronteira com a Argentina.
. Gaúcho – Morador dos pampas com seu veículo em movimento nos fazem, ao sair de Uruguaiana, ver através dos vidros um campo de perder de vista com gado bovino numa vegetação composta por gramíneas. Três horas se passam e estamos em Santana do Livramento, fronteira com o Uruguai.
. Passagem – Tanto faz ir para capital do Rio Grande do Sul como para capital do Uruguai porque a distância de quase 500 km é a mesma, existem ônibus para ambas. Só que fomos informados de que a garagem de um deles era mais perto, porém que nunca deu um gratuito. Sem nada a perder, fomos, ganhamos no papo e nas duas passagens.
. Ônibus – Sonho que estamos viajando num auto-ônibus internacional, todavia a julgar pelas faces críticas aos nossos aspectos e cheiros se trata de uma veracidade. Contudo, o que é isso diante de se estar viajando com um menor português com cara de terrorista para um país onde as Forças Armadas desaparecem com os guerrilheiros Tupamaros?
. Montevidéu – Passeando na cidade sob a tensão de termos nossos passos confundidos com uma operação da organização de guerrilha urbana uruguaia, bem sob o roncar da barriga pela fome, resolvemos ir para algo seguro. Fomos para o Consulado Geral do Brasil. Seguro!? Fizemos amizades com um funcionário e alguns que faziam atividades por lá.
. Exército da Salvação – Só que não adiantou nada em termos de mordomia e fomos parar no “sopa, sabão e salvação”. Dormimos no quentinho pelo acúmulo de tantos corpos humanos, inclusive de pulgas. Até o sapato foi para debaixo da cabeça, não para servir de travesseiro não, foi receio de haver algum extravio ou “seqüestro” em moda.
. “Ajuda” – Para evitar possíveis problemas para eles, fomos “premiados” com duas passagens só de ida para a fronteira Uruguai-Brasil, mais exatamente para o Chuy, onde se avistava a segunda maior lagoa brasileira. Obviamente que nós é que ficamos com um problema: como passar na fronteira sem passaporte e com um menor português?
. Traficante – A turma do tráfico ofereceu carona num carro com fundo falso cheio de “mercadoria”, problema que nunca soube o que era. Lá vamos nós com eles passando por uma barreira militar fortemente armada e fracamente fiscalizada. Graças ao São Jeitinho não fomos parar em nenhuma cadeia de qualquer nação.
. Retorno - Para encurtar a história. Empregando os recursos adquiridos na viagem chegamos a Porto Alegre e compramos passagens para o Rio de Janeiro. Viajamos mais de 1.500 quilômetros em torno de 20 horas, movidos por sanduíches e com a certeza de que valeu a experiência de viver sem dinheiro, apenas com as nossas personalidades.

Charles Guimarães Filho