Neste julho de 2023, a nossa turma de Olaria perdeu uma de suas figuras mais memoráveis, Luiz Antônio Bandeira. A chamada turma de Olaria tanto se espalhou pelos caminhos da individualidade como se estranhou em diferenciações ideológicas, políticas etc., mas seus participantes originais continuam tendo em comum a memória de uma especial vivência, e seus incríveis acontecimentos, dos finais dos anos 1960 e início dos 70. Nesta época, e na verdade sempre, uma de suas referências foi o Luiz, o Luiz Antônio, o Bandeira, o Cabeça, o Super-Azar ou como cada um preferia chamar.
Não me atrevo a escrever uma biografia, mas posso resumir minhas lembranças. Depois da convivência na turma da igreja da igreja São Geraldo, em Olaria, subúrbio do Rio (que começa em meados dos anos 60 e acompanhei a partir de 1968), ainda fui seu colega no curso de Ciências Sociais do IFCS da UFRJ, até a minha saída, na virada para 1973, tentando deixar para trás a repressão e a prisão de colegas.Ainda naquela década, já formado, Bandeira partiu para o Pará, foi trabalhar na Vale e depois na Docegeo, e continuou por mais muitos anos por lá (e disso não sei muito), até que, saindo da empresa, se estabeleceu em Belém, onde se tornou uma espécie de ícone da contracultura, se interpreto bem os fatos, ao criar (e animar), na véspera do Círio de Nazaré, a Festa das Filhas da Chiquita Bacana... Fatos que nos chegavam pelas suas próprias versões, o que não deixava de ser também uma maneira de mostrar a sua criatividade...
Quando
enfim retorna ao Rio de janeiro, já no início deste século, Bandeira, sempre curioso e instigante, se
demonstrou um bon vivant (ainda que restringido pela aposentadoria de pouco menos de dois salários mínimos, apesar de batalhar por
um acréscimo, dado o longo tempo de contribuição, ganho que, ironicamente, só lhe dariam a
partir de agora) ou, aliás mais precisamente, um flâneur... Em 2011, fizemos algumas caminhadas pela Zona da Leopoldina e Inhaúma, por lugares e pessoas de memórias da Turma de Olaria e outras.
E lá ia ele, sempre, de certo modo deslocado no mundo e das pessoas, mas sempre presente na hora da reflexão, com os amigos, nas conversas sobre literatura e na diversão, em suas diversas formas... Voltamos a conviver no grupo de leituras do Buriti Sebo Literário, iniciativa afetuosa do amigo Marcos Cunha, e até tentamos os projetos que de repente trazia (por exemplo, um jornal virtual para a comunidade chinesa).
Os amigos, especialmente o acima citado, praticamente salvaram sua vida num difícil período depressivo e solitário, em que se aguentou vivendo num depósito de livros em Mesquita, na Baixada Fluminense.
Afinal a família o reabsorveu e lá foi ele para a sua última temporada, em Nova Friburgo, em um pequeno apartamento na praça principal, na qual se sentava nas manhãs de sol para ler o jornal (sempre O Globo, de que era viciado). No final de abril, sozinho no sítio da irmã, nas redondezas da cidade, sofreu uma queda durante a noite, que o levou ao hospital, evidenciando a fragilidade de suas condições físicas, ele que era soropositivo em AIDS desde os anos 1990, e indicando um possível tumor na área dos rins.
O drama que se seguiu durou mais de dois meses, com a internação em hospital público, situação de muita indefinição por parte dos profissionais e muita incerteza por parte da família. Reclamou, protestou, pediu ajuda aos amigos, recusou assédio religioso, ameaçou fugir... Foi, em suma, o que sempre foi. Até que definiram uma cirurgia, o que, de certa maneira, o aquietou: tinha, ao menos, um horizonte de definição da situação.
Assim passou sua última semana, dividindo com os amigos as receitas preferidas, lembranças afetivas de seu pai, e parecia tranquilo, paciente. Deu, porém, um premonitório toque de angústia numa das últimas mensagens: “Com o coração apertado sobre o que acontecerá depois de amanhã, essa tarde tive um sonho bonito e angustiante: ia ao encontro de Mamãe em Bonsucesso para irmos ao cinema”.
E foi assim que não voltou da necessária inconsciência da cirurgia. Deixou para nós muitas histórias, que poderão ser contadas por tantos dos seus amigos, e até pelos que, por conta de sua constante ironia, não o tragavam assim tão bem... Mas, também pelos seus próprios registros em textos, com suas mais profundas lembranças, material que andou acumulando em um vago projeto de livro.
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Este pode ser ponto de partida para uma espécie de memorial de lembranças, pelo envio de comentários ou mensagens (que posso editar), com as grandes histórias e/ou os sugestivos detalhes da convivência dos amigos com o nosso Bandeira.