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quinta-feira, 19 de maio de 2011

059 > Até Breve, Cipri!

No dia 07 de maio de 2011, a Corte Celestial Olariense (CCO), numericamente já expressiva, recebeu o seu mais novo componente: o nosso Padre eterno Cipriano Andérez Vélez, grande irmão, orientador, questionador, visionário, múltiplo instrumentista, mas sobretudo semeador do amor, da verdade e da beleza, para com todos que tiveram o privilégio de com ele conviver.
Desde os meus tenros anos de adolescente que o conheci, primeiramente celebrando o casamento religioso de uma das minhas irmãs. Depois, atendendo-me em confissão, por mim solicitada, preparatória à Páscoa escolar do Colégio Ferreira Viana, onde cursava a 2ª série ginasial, com cerca de 14 anos de idade e da qual resolvera participar.
 Para meu espanto, não dirigiu-se ao tradicional confessionário e, em mangas de camisa, convidou-me a sentar em um banco da grande nave branquinha da Igreja de São Geraldo; face a face; sorriso nos lábios.
Começou a demolir um a um os velhos conceitos de pecado que haviam sido introduzidos em nossas cabecinhas, por aquela ladainha esclerosada de que pecar contra a carne era a suprema desobediência à vontade divina. Pela primeira vez fui introduzido à lógica do Amor Divino, à perfeição de seu plano original, e o egoísmo como o supremo mal, que acorrentou o homem ao longo da história e gerou todas as distorções que se institucionalizaram.
Paralelamente a esse discurso revolucionário, conheci outra de suas práticas oriundas de sua vocação sacerdotal, a dar assistência à Dª Jandira, sogra de meu irmão Jorge Eduardo, que há muitos anos jazia em um leito doméstico, com movimentos só de cabeça mas com raciocínio perfeito. Nessa época, como minha mãe, sensibilizada pelas condições de vida da sogra de seu filho, passou a visitá-la e ajudar nos cuidados higiênicos que a mesma necessitava, apesar de mamãe ser evangélica (membro da 1ª Igreja Batista de Olaria, na Rua Angélica Mota), conheceu Cipriano e tornaram-se bons amigos.
Num primeiro momento, quando se constituiu o Grupo de Jovens de São Geraldo, núcleo original da hoje Turma de Olaria, dos três jovens padres espanhóis, que integravam a equipe que assumiu a condução da paróquia, foi o já também falecido Padre Severiano, que ficou com a tarefa de orientar-nos.
Mas meu deslumbramento com aquele novo universo de idéias e práticas foi tal, que aceitei um convite de Cipriano para assumir uma turma de catequese infantil, dentro de uma proposta pedagógica nova e revolucionária, que implicava a que, após a 1ª Comunhão, a criança permanecesse por mais 03 anos, voluntariamente, freqüentando um Programa de Pós-Catecismo, voltado para sua formação integral. Funcionava aos sábados, pela manhã (das 09:00 às 11:00h), tendo eu assumido uma turma de 1º ano pós comunhão, composta por cerca de 15 meninos na faixa dos 07 aos 09 anos.
Nas sextas-feiras à noite, por volta de 20:00h, quando deixava as aulas do Colégio Ferreira Viana, pegava o trem da Leopoldina, descia na Estação de Olaria, e ia à reunião da equipe de catequese, na salinha de reunião do fundo da secretaria da matriz (onde também funcionava o famoso mimeógrafo revolucionário Gestetner, também apelidado de "Trotikinho", pois se acionasse seu botão, logo começava a cuspir panfletos políticos, Ká Ká Ká Ká!!!). Essas reuniões, conduzidas com didática e brilhantismo pelo Cipriano, estendiam-se até 23:00h ou mais, nas quais manuseava-se o excelente material didático publicado pela Editora Vozes, sempre fazendo a vinculação entre as passagens bíblicas e a realidade do dia-a-dia das pessoas. Aprofundei muito o pensamento teológico, superando as incontáveis versões mágicas e alienantes da realidade.
Depois que o Severiano resolveu deixar a paróquia de São Geraldo, para criar uma nova comunidade na Vila da Penha, no antigo Largo do Bicão (que o Severiano só conseguia falar "Vicòn") e que dentro de sua postura revolucionária propôs chamar-se de Jesus Ressuscitado (pois, segundo o mesmo, eliminaria a figura da imagem do "Padroeiro"; no altar, haveria apenas uma caverna vazia com uma porta de pedra removida – Ele havia Ressuscitado!), Cipriano foi designado para assumir o Grupo de Jovens, em suas reuniões semanais para tratar de atualidades, e suas inaugurais iniciativas de mobilização popular, através de Encontros da Juventude, montagens teatrais, etc, etc...
Dando desdobramento ao trabalho iniciado por Severiano, logo conquistou com garra a simpatia e o afeto de todos, não medindo esforços para nos impulsionar na luta pelos ideais que aprendíamos a defender. Acompanhava-nos nos encontros e happenings internos que organizávamos, em aprazíveis sítios como em ...., deslumbrante fazenda-seminário próxima de Volta Redonda, pertencente àquela diocese.
Nunca impôs seu ponto de vista nem permitiu que qualquer facção conduzisse o processo, mesmo que certos questionamentos levantados pudessem levar a uma renúncia a fé.
Após renunciar ao sacerdócio, uniu-se conjugalmente com uma recem-integrante do grupo, Nair, arribada com a galera do Casé, união de curta duração, tendo sido a mesma vitimada por uma crise cardíaca proveniente de uma insuficiência respiratória aguda.
Nessa época já me encontrava em Belém do Pará, quando recebi a notícia do desenlace; escrevi à época um longo e belo poema que enviei, datilografado, xerocado, pelo Correio, a todos. Em minha primeira estada no Rio, passei alguns dias em sua companhia no apartamento em que moravam em Jacarepaguá, onde assisti um homem chorar sua dor, ao descrever os derradeiros momentos de Nair em seus braços, e chorei com ele.
Depois o levantar-se, constituir outra família, que em seus derradeiros dias aqui entre nós, apresentou-nos com muito orgulho, momentos os quais temos brilhantemente registrados no Blog da Turma de Olaria.
Luiz Antônio Bandeira

segunda-feira, 16 de maio de 2011

058 > Despedida para Cipriano

Cipri, em nosso último encontro
Olaria, 26 Dez 2010



Nesta 2a-feira, 16 de maio de 2011, às 10h, foi realizada no Mosteiro de São Bento uma missa de 7o. dia pela morte do nosso querido Cipriano, que faleceu no dia 7 de maio, tendo sido cremado.
Foi no Mosteiro que Cipriano se casou com Aida, e lá foram batizadas as suas filhas, Daniela e Fábia. A missa foi oficiada por um padre seu amigo.


Cipriano, que morreu aos 74 anos, estava doente há cerca de um ano, com um câncer de pâncreas.

Segundo Fábia, fez um certo esforço para ir ao nosso encontro em Dezembro, os óculos escuros eram para disfarçar o abatimento...
O aviso da missa só foi feito na véspera, por volta das 21h, quando Fábia encontrou um cartão com meu telefone entre os papeis de Cipriano.

Presentes, da turma de Olaria: Guina, Gil e Cláudio Matheus.
Natália e Hermínia iam à noite à missa na igreja de São Geraldo, em Olaria.


Ao final da missa, um encontro emocionante com o nosso querido ex-Pe. Antonio, parceiro de Cipriano na igreja São Geraldo naquela época, que foi à missa com a esposa e o casal de filhos.


Também presente uma filha do ex-Pe. Severiano, Laura.

Cláudio, Guina, Antonio e Gil













Nos Comentários, a reação de alguns de nós.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

028 > Os padres

Paulo Vendrami põe um pouco de seriedade nesta coisa...
Lembra uma referência fundamental, aliás, fundante: os padres.
Diz Vendrami: Vejo que a Turma de Olaria não é apenas uma criação, mas uma instituição. Como tal deveria ter sede, secretária e telefone. Que furor... Acampamento em Floripa, em Guaratiba, em Angra, viagem para Pres. Prudente. Em todos eles, onipresente, está o nosso grande guia, o Band.
Mas a história seria muito diferente se não tivesse havido o apoio dos padres de São Geraldo. E o apoio existiu e aqui estamos nós, com um mar de histórias a rastrear nossa história.
Eu me lembro que em 66 estava recolhido ao convento franciscano na Praça Rui Barbosa, em Curitiba. Estudava Filosofia, Psicologia, Ética, Cosmologia... Que entendia eu disso tudo, com a cabeça fervendo aos 22 anos?
Curitiba foi meu primeiro contato com a cidade grande, roceiro que sou. Muitos encontros de igrejas, por influência do Concílio Vaticano II, com o magnânimo João XXIII. Muita presença do existencialismo, visto que Sartre estava ainda vivo e exercia muita influência no "engajamento" e "aggiornamento" [teologia da libertação] da igreja católica.
O Roberto Carlos começa a cantar suas canções românticas e num sábado à noite ele apareceu num palco na praça Rui Barbosa, com centenas de meninas gritando pelo rei do ie ie ie. Música alta. Eu ouvi do convento... A repressão comia, nas ruas, nos quartéis, no Vale da Ribeira, mas disso eu não sabia... 
Acrescento eu, Guina: Posso dizer relativamente pouco sobre os padres. Minha ligação era com a turma e só “lateralmente” com eles. Na verdade, eles estendiam (eu sabia) um grande guarda-chuva sobre nós. Sem a atitude democrática, praticamente libertária, deles, não teríamos feito quase nada do que estamos contando...
Mas, também, continuavam sendo, para mim, figuras de autoridade, até porque ligadas a uma estrutura de poder pesada, a Igreja Católica. Então não conseguia conviver de igual para igual.  Exceto (para lembrar algo pontual) quando jogava xadrez com o Cipriano nas salinhas abaixo da igreja. Lembro de uma partida que foi até umas três da manhã, ele preocupado com compromissos matinais, jogo em equilíbrio total... que, não lembro, mas acho que ele perdeu pq tinha que ir dormir...
Ah, e de uma situação dramática: o dia em que Cipri falava com alguém lá embaixo, pela beirada do pátio da casa paroquial, e, ao se virar, pisou num miquinho do tamanho de um passarinho que criava, que não resistiu aos ferimentos, deixando todos nós altamente consternados... [Isso aconteceu mesmo? Acho que sim, ficou forte na memória.]
Os demais padres, de certo modo, eram pontos de apoio, especialmente nas viagens. Eu, na prática, deixava a liderança de momento do grupo, digamos assim, negociar com eles...
De qualquer modo, tenho um sentimento de gratidão por todos eles (e seria injusto não ter), pelo que usufruí com a turma, mas também pelo que vi de quanto eles foram úteis à vida de tantas outras pessoas.
 Bandeira escreve sobre o Padre Cipriano:
Já o conhecia anteriormente à formação da Turma de Olaria, pois o mesmo dava assistência espiritual à sogra de meu falecido irmão Jorge Eduardo Bandeira, Dª Jandira, que morava na antiga Rua 9, lá no IAPI, e vivia completamente entrevada numa cama de hospital, apenas mexendo com a cabeça, sendo alimentada na boca e asseada na própria cama, tarefa na qual minha falecida mãezinha passou a ajudar.
Sempre alegre, jovial, esbanjando vida, não foi ele que nos deu assistência quando formamos o grupo de jovens em São Geraldo, tarefa que foi exercida inicialmente pelo Pe. Severiano. Quando Severiano resolveu fundar uma nova paróquia no Largo do Bicão, Cipriano assumiu, com muito gosto, a tarefa de dar-nos acompanhamento.
Iniciaram-se anos de ternura e alegrias, dentro daquela filosofia esposada pelos mesmos (Antônio, Severiano e Cipriano) de não interferirem diretamente na nossa formação e orientação, participando quase que em pé de igualdade das nossas discussões e reflexões, ajudando-nos enormemente a superar aqueles vícios de formação tradicional, especialmente desviando o foco da noção de "PECADO" das infrações individuais cometidas, especialmente àquelas de natureza sexual, quase que invariavelmente associadas aos questionamentos humanos à vontade de Deus.
Lembro-me de que procurei um Padre em São Geraldo para confessar meus pecados e receber a absolvição, a fim de participar da Páscoa Escolar do Colégio Ferreira Viana (1967), onde fazia o ginasial e onde conheci o Mauricio.
Cipriano me atendeu e nos dirigimos para dentro da Igreja; quando eu ia em direção ao confessionário, ele pegou-me pelas mãos e convidou-me para sentar-nos num banco da igreja, frente à frente; meu coração batia aceleradamente!
Ao narrar-lhe meus "pecados" de natureza sexual, o mesmo, assombradamente para mim, declarou que aquelas práticas não eram pecado, pois integravam a natureza que Deus nos deu, e portanto, eram naturais.
PECADO era não amar o próximo, ficar indiferente ao sofrimento alheio, à miséria e à fome que atinge nossos semelhantes.
Saí dali eufórico e deslumbrado, acreditando que aquela era a verdadeira religião e o destino de todos os homens.
Envolvi-me gradativa e completamente com a Política, assumindo metas as quais persigo até hoje!
UFA! Que Depoimento! Lavei o coração.
Beijos a todos, Luiz Antônio Bandeira.
Postagem aberta para lembranças sobre os incríveis padres com que convivemos, ok?

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

023 > O Primeiro Acampamento

Mergulhando profundamente no passado, Bandeira traz à tona...

O Primeiro Acampamento

No fatídico ano de 1966, quando o Rio de Janeiro se viu assolado por violentas chuvas que provocaram graves acidentes como a queda de encostas, desabamento de prédios residenciais em áreas urbanizadas (Stª Teresa, Cosme Velho, etc...), deixando um rastro de centenas de mortos e milhares de desabrigados, um pequeno grupo de rapazes adolescentes, criados desde a 1ª infância naquela estrita faixa de terra espremida entre o fundo da Baía de Guanabara e o maciço montanhoso hoje chamado de "Complexo do Alemão", atravessada por dois corredores demarcatórios, a velha linha ferroviária da Leopoldina, que se estendia até a então capital da Baixada Fluminense, Caxias, percorrida por seus comboios ainda do século XIX, e a moderníssima Avenida Brasil, com suas largas pistas concretadas (que atravessávamos em alegres bandos para nos banharmos na Praia de Ramos, nossa principal diversão nos verões suburbanos cariocas), esses adolescentes, em nº aproximado de oito, que haviam iniciado uma aproximação com os padres da Igreja de São Geraldo, às proximidades da Estação de Olaria, e que através da grande habilidade do jovem Pe. Severiano, missionário secular, recém chegado da Espanha, mergulhado no "aggiornamento" pós Concílio Vaticano II (Viva João XXIII!), constituíram o primeiro núcleo do que viria a chamar-se a "Turma de Olaria".
Por sugestão do Pe. Severiano, organizou-se o 1º acampamento, na Praia da Barra de Guaratiba, num terreno ao lado de uma pequena capela, no alto de um morro ainda totalmente arborizado (um resquício da Mata Atlântica), com vista frontal e total da fabulosa Restinga da Marambaia, já àquela época ocupada pelos militares e de acesso vedado aos civis.
Os preparativos para o tal acampamento mobilizaram toda a paróquia, até mesmo com a cessão de barracas de lona do grupamento de escoteiros da matriz, naturalmente que estes, os escoteiros, vedados de participarem do evento, dado o repúdio que já professávamos por essas organizações tradicionais.
Obtidas as autorizações familiares, feita a "vaquinha" financeira para a compra de gêneros e mantimentos, realizada uma visita prévia ao local, cedido através do ex-pároco de São Geraldo, Pe. Zé Maria, naquele momento vigário em Guaratiba, o grupo de jovens, liderado pelo Pe. Severiano, tomou o rumo, de trem e ônibus, via Campo Grande, para Guaratiba, apesar da chuva que começara a cair naquele início de semana de janeiro de 1966.
Com dificuldades, carregando mochilas, barracas de lona, sacos de panelas e mantimentos, escorregando na lama que escorria enxurrada abaixo, pelo morro, chegamos à área escolhida, demarcamos os espaços para a armação das barracas, cavamos trincheiras para o escoamento da água, armamos as barracas naquele fim de tarde. Improvisamos um fogão no coreto ao lado da capela, onde preparamos nossa primeira refeição, já noite: café com leite, sanduíche de pão com ovo frito - delícia reconfortante à umidade já reinante.
Ansiosos pela novidade, 1ª noite nas barracas do acampamento, logo nos recolhemos às mesmas. Breve fantasia. A tempestade agravou-se e nossos leitos ficaram encharcados. Operação retirada e abrigar-se no coreto onde passamos uma noite no chão duro, com frio, pois lençóis e cobertas ficaram molhados.
No dia seguinte, a chuva não deu trégua. Constatamos que havia muitas goteiras no coreto; conseguimos abrir a porta da capela, onde nos instalamos com armas e bagagens, cada um ocupando um banco de missa, que passou a ser a nossa confortável cama pelo resto daquela venturosa semana.
Assim se passaram a 3ª e a 4ª feira, chovendo ininterruptamente. Nossas diversões restringiam-se a preparar a alimentação (03 refeições-dia), alguns jogos, brincadeira de adivinhar nomes de filmes, encarnações mútuas, confidências em grupo ou em pares, algumas celebrações da palavra e liturgia, conduzidas pelo Pe. Severiano. 
Na 5ª feira, finalmente, as nuvens começaram a se dispersar, o sol começou a aparecer timidamente, e nós pudemos descer do morro e acessar a praia, com as águas barrentas e cheias de detritos, mas que serviu de cenário para nos esbaldarmos até 6ª feira, quando após o almoço (muito macarrão e arroz com salsichas, cardápio invariável), iniciamos nosso retorno. 

O grupo mais numeroso, que residia na Rua 13 do IAPI da Penha, ao assomar à Rua e seus blocos de apartamentos, foi saudado com aflição pelos vizinhos, aliviados por nos verem saudáveis e bronzeados, preocupadas que estavam as famílias por conta da ausência de notícias, agravada pelas catástrofes que haviam atingido a cidade.
Aos irmãozinhos Augusto, Dourival, Emílio, Ricardo, Luluca,  Perfeito, Severiano e outros porventura não citados, meu eterno afeto.
  Luiz Antônio Bandeira.