segunda-feira, 16 de julho de 2012

094 > Um trio quixotesco na Bahia


Ainda há aventuras da época da turma de Olaria a editar (e fica-se devendo, queiram perdoar) e muitas que merecem ser contadas. Pois, está mais do que na hora de contar esta...

Entre as especialidades mais estimadas no grupo estavam as viagens de carona. Motivos para viajar sempre existiam... Uma das principais, a vontade de rever (novos) amigos, em especial padres que passavam por Olaria. A conexão com os franciscanos, com tinturas políticas e também afetivas, levaram alguns de nós a constantes visitas ao convento de Petrópolis. Além disso, a igreja de São Geraldo era centro de recepção de padres estrangeiros, a caminho de paróquias no interior, a maioria espanhóis, o que já fora motivo de marcantes viagens. São exemplos, Foz de Iguaçu (via Presidente Prudente, onde estava o Pe. Carmelo) e Goiandira-GO, para a pesquisa proposta pelo Pe. Joãozinho, histórias já relatadas.
Viajar vicia... Daí, inventávamos outras. Foi assim que um inusitado trio se formou, com a inexplicável intenção de passar o Carnaval de 1970 em Salvador, BA, embora a viagem em si fosse motivo bastante. Na ordem de experiência neste tipo de aventura, à época, Derval, Guina (que conta a história) e Zuíno, três magrelos na estrada, três D. Quixotes querendo encarar o mundo...
Guina no futebol

Zuíno pensativo
Derval na festa

[De imediato, chamo os parceiros a colaborar. O Der pode mandar lembranças por e-mail 
e Zu, com sua memorável memória, recuperar detalhes (vou lhe mandar cópia impressa).]

Naturalmente, a primeira parada foi o convento dos franciscanos em Petrópolis. Não para pedir apoio espiritual, apenas porque estava no caminho... Para mim, resultou em grande ganho: descolei uma sandália franciscana original!... Que merece ser descrita: estrutura em couro, com solado de pneu; “porta-calcanhar” muito rígido, apenas duas tiras largas sobre peito do pé; na lateral, um cotoco de ferro (5mm de altura, 3 de diâmetro), para encaixar um dos 3 buracos da tira. Par de sandálias muito resistente e também duras, causa de honrosos calos por muito tempo...
Eu com a sandália no pé, seguimos pela antiga Rio-Bahia e logo estávamos em Minas Gerais. A lembrança mais forte da Zona da Mata é de uma estranhíssima, quase inacreditável carona (muita vontade de chegar...) numa carroceria (uma espécie de engradado de madeira, fechado até no alto) de um caminhão de buscar gado. O trocadilho procede... Com excessão de um travessão de madeira, que atravessava a carroceria, todo o resto do espaço era um mar de bosta!... Viajamos uma tarde inteira agarrados às laterais da carroceria, mantendo as bundas firmes no sarrafo!
Minas Gerais seria associada a esta mal cheirosa lembrança, não fosse o encontro com o Sapão, motorista que reconheci no posto de gasolina em que nos deixaram. Amigo de meus irmãos, também motoristas, Sapão imediatamente embarcou na nossa! E nós embarcamos na cabine da sua carreta Scania, para uma virada de noite na estrada. Tão volumoso como o apelido sugere, Sapão deixava pouco espaço para nossos corpos, e éramos  magros... Em compensação, encheu nossas cabeças das mais incríveis histórias das estradas, pena que não lembro mais nada...  

Milagres e o morro da Bandeirinha - foto Rony Cerqueira
Não me perguntem como, mas, por outras caronas, chegamos a uma das nossas metas: Milagres, na Bahia. Cidadezinha celebrizada pelos filmes de Glauber Rocha, no vazio entre Jequié e Feira de Santana, conhecíamos dela, ao menos, a paisagem... Junto à estrada, a parte “moderna”: uma série de postos de gasolina, restaurantes e puteiros, cenário da famosa cena de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, ao som de “levanta, sacode a poeira, dá a volta por cima”... A poucas centenas de metros, a praça principal, um quadrilátero cercado de casas baixas de fachadas coloridas, ocupada por uma eterna feira típica do Nordeste. 
Milagres, vista da estrada - foto Fernandes Sales
Sobe-se uma ladeira e temos a igreja, ladeada pelas mesmas casas, ambiente de muitas cenas dos filmes de Glauber. Do largo em frente, a ladeira desce para o infinito da caatinga, o amplo horizonte também presente nos filmes. Ao lado, começa o tortuoso caminho que leva à gruta, na montanha ao fundo da cidade. Era tempo de romarias e a quantidade de romeiros impressionava, quase éramos mais uns... Não sei mais se me confundo, mas acho até que, circulando pelas redondezas, estivemos em um velório de criança, num casebre de taipa, mas pode ser apenas um clichê visual nordestino que me veio à cabeça...


No sábado de Carnaval, à tarde, estávamos em Salvador. Fomos parar na Liberdade, o grande bairro popular, na casa de alguém que alguém conhecia... E no sobe e desce das ladeiras (eu, me sentindo personagem de Jorge Amado...), adentramos, no domingo, ao Carnaval da Cidade Alta. O que lembro é massa... Muita gente, um aperto total, muita cotovelada e empurrões, diziam ser a mais pura dança dos blocos de rua... Ainda não havia blocos de mortalha ou não chegamos perto de nenhum. Acho que passamos uma noite zanzando entre a praça Castro Alves (que, realmente, era do povo!...) e os bairros de praia, Pituba ou Rio Vermelho. Não dá para lembrar os roteiros, mas é difícil esquecer a emoção, e são 42 anos!... A praia de Itapuã, a caminhada entre coqueiros e nas pedras, e o farol, longe... A ida à lagoa do Abaeté, onde reinventamos o “bife à milanesa”: acho que fui eu quem, meio por medo de mergulhar nas águas escuras, achei divertido rolar pela areia, duna abaixo até a beiradinha da água, rimos bobamente... Em suma, andávamos por todos aqueles lugares incríveis de Salvador e à noite voltávamos à Liberdade, e isto não é mais uma descrição, é uma alegoria!
Lagoa do Abaeté, década de 1970


Para voltar, quanto mais rápido melhor... Só lembro que uma carona nos deixou tresnoitados na entrada de Teófilo Otoni, já em Minas, de manhã cedo, depois de mais uma longa conversa que ajudava o motorista a ficar acordado. Tínhamos levado uma carga de dezenas de canetas, com corpo de bambu envernizado, apoio do Perfeito, para fazer caixa, vendendo no varejo. Carregamos aquele pacote o tempo todo... Aí, tivemos uma ótima idéia: fomos à rodoviária, vendemos as canetas no atacado para uma lojinha, para pegar um ônibus até o mais longe possível e dormir a viagem toda. Nos últimos lugares de um que saiu às 6h da matina, quase pegando no sono, descobrimos que a grande maioria dos passageiros era de um grupo evangélico: passaram a viagem toda cantando hinos religiosos...

5 comentários:

Paulo Vendrami disse...

Guina, achei muito divertido teu relato da viagem dos três magros à Bahia. Caminhão cheio de bosta... Só tem uma dúvida, quantos dias vocês ficaram na capital soteropolitana, e onde dormiram e onde comeram (no sentido primeiro). Sei que venderam as tais canetas, mas elas davam para o rango e para o dormir? Em Petrópolis você até arranjou uma legítima sandália franciscana... e na Bahia? Ab.

Guina Araújo Ramos disse...

Polinho,
a gente era muito maluco naquela época, né?
Olha, sinceramente, o que conto é exatamente o que consigo lembrar!
Juro, que não lembro onde dormimos e acho que ficamos lá até a 4a-feira de cinzas.
Fiz muitas viagens pedindo comida e dormida, sem grana praticamente nenhuma, mas nesse caso acho que tínhamos algum dinheiro para comida e arrumamos lugar para dormir. Na volta, grana curta, apelamos para a venda das canetas, mas a grana só dava para as passagens de ônibus, e não até ao Rio, só até Governador Valadares ou Muriaé, não lembro. As caronas que viraram a noite eram nossas preferidas, resolvia o problema de dormir...
Na Bahia a gente só olhava aquela farra, e era arrastado pela multidão...
Tomara que Derval e Zuíno relembrem mais detalhes.

Paulo Vendrami disse...

Guina, bota dureza nisso. Difícil imaginar que debaixo desses cabelos brancos sessentões mora alguém que se meteu em aaventuras tão malucas, tão doidas que você até esqueceu os detalhes. Preferir caronas que virassem a noite... Afe. Experimenta contar isto para os teus sobrinhos-netos que tenham 18 ou 19 anos... Ab.

Paulo Vendrami disse...

[este é o primeiro comentário do Vendrami, caso esteja fora de ordem]
Guina, achei muito divertido teu relato da viagem dos três magros à Bahia. Caminhão cheio de bosta... Só tem uma dúvida, quantos dias vocês ficaram na capital soteropolitana, e onde dormiram e onde comeram (no sentido primeiro). Sei que venderam as tais canetas, mas elas davam para o rango e para o dormir? Em Petrópolis você até arranjou uma legítima sandália franciscana... e na Bahia? Ab.

Anônimo disse...

Eu estaba procurando alguna information y talves voce a tenha no ano 1971 72 eu cheguey na lagoa de abaete ( soy Uruguayo) y colocamos una bandera na entrada do acampamento eramos todos hippies y veio un journal y tiro fotos y las publicó.
Voce tein idea donde poso procurar (lembransas antiguas)
Si no, muito obrigado.
Um abraso
Sent from my Verizon Wireless 4G LTE Smartphone.