domingo, 16 de julho de 2023

103 > Bandeira, em memória

Neste julho de 2023, a nossa turma de Olaria perdeu uma de suas figuras mais memoráveis, Luiz Antônio Bandeira. A chamada turma de Olaria tanto se espalhou pelos caminhos da individualidade como se estranhou em diferenciações ideológicas, políticas etc., mas seus participantes originais continuam tendo em comum a memória de uma especial vivência, e seus incríveis acontecimentos, dos finais dos anos 1960 e início dos 70. Nesta época, e na verdade sempre, uma de suas referências foi o Luiz, o Luiz Antônio, o Bandeira, o Cabeça, o Super-Azar ou como cada um preferia chamar.

Não me atrevo a escrever uma biografia, mas posso resumir minhas lembranças. Depois da convivência na turma da igreja da igreja São Geraldo, em Olaria, subúrbio do Rio (que começa em meados dos anos 60 e acompanhei a partir de 1968), ainda fui seu colega no curso de Ciências Sociais do IFCS da UFRJ, até a minha saída, na virada para 1973, tentando deixar para trás a repressão e a prisão de colegas.

Ainda naquela década, já formado, Bandeira partiu para o Pará, foi trabalhar na Vale e depois na Docegeo, e continuou por mais muitos anos por lá (e disso não sei muito), até que, saindo da empresa, se estabeleceu em Belém, onde se tornou uma espécie de ícone da contracultura, se interpreto bem os fatos, ao criar (e animar), na véspera do Círio de Nazaré, a Festa das Filhas da Chiquita Bacana... Fatos que nos chegavam pelas suas próprias versões, o que não deixava de ser também uma maneira de mostrar a sua criatividade...

Quando enfim retorna ao Rio de janeiro, já no início deste século, Bandeira, sempre curioso e instigante, se demonstrou um bon vivant (ainda que restringido pela aposentadoria de pouco menos de dois salários mínimos, apesar de batalhar por um acréscimo, dado o longo tempo de contribuição, ganho que, ironicamente, só lhe dariam a partir de agora) ou, aliás mais precisamente, um flâneur... Em 2011, fizemos algumas caminhadas pela Zona da Leopoldina e Inhaúma, por lugares e pessoas de memórias da Turma de Olaria e outras.

E lá ia ele, sempre, de certo modo deslocado no mundo e das pessoas, mas sempre presente na hora da reflexão, com os amigos, nas conversas sobre literatura e na diversão, em suas diversas formas... Voltamos a conviver no grupo de leituras do Buriti Sebo Literário, iniciativa afetuosa do amigo Marcos Cunha, e até tentamos os projetos que de repente trazia (por exemplo, um jornal virtual para a comunidade chinesa).

Os amigos, especialmente o acima citado, praticamente salvaram sua vida num difícil período depressivo e solitário, em que se aguentou vivendo num depósito de livros em Mesquita, na Baixada Fluminense.

Afinal a família o reabsorveu e lá foi ele para a sua última temporada, em Nova Friburgo, em um pequeno apartamento na praça principal, na qual se sentava nas manhãs de sol para ler o jornal (sempre O Globo, de que era viciado). No final de abril, sozinho no sítio da irmã, nas redondezas da cidade, sofreu uma queda durante a noite, que o levou ao hospital, evidenciando a fragilidade de suas condições físicas, ele que era soropositivo em AIDS desde os anos 1990, e indicando um possível tumor na área dos rins.

O drama que se seguiu durou mais de dois meses, com a internação em hospital público, situação de muita indefinição por parte dos profissionais e muita incerteza por parte da família. Reclamou, protestou, pediu ajuda aos amigos, recusou assédio religioso, ameaçou fugir... Foi, em suma, o que sempre foi. Até que definiram uma cirurgia, o que, de certa maneira, o aquietou: tinha, ao menos, um horizonte de definição da situação.

Assim passou sua última semana, dividindo com os amigos as receitas preferidas, lembranças afetivas de seu pai, e parecia tranquilo, paciente. Deu, porém, um premonitório toque de angústia numa das últimas mensagens: “Com o coração apertado sobre o que acontecerá depois de amanhã, essa tarde tive um sonho bonito e angustiante: ia ao encontro de Mamãe em Bonsucesso para irmos ao cinema”.

E foi assim que não voltou da necessária inconsciência da cirurgia. Deixou para nós muitas histórias, que poderão ser contadas por tantos dos seus amigos, e até pelos que, por conta de sua constante ironia, não o tragavam assim tão bem... Mas, também pelos seus próprios registros em textos, com suas mais profundas lembranças, material que andou acumulando em um vago projeto de livro.

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Este pode ser ponto de partida para uma espécie de memorial de lembranças, pelo envio de comentários ou mensagens (que posso editar), com as grandes histórias e/ou os sugestivos detalhes da convivência dos amigos com o nosso Bandeira.

 

12 comentários:

Paulo Anais disse...

Parabéns , Guina ! Uma bela homenagem ao nosso já saudoso Luiz Antônio ! Protagonista de tantas histórias , um exímio contador de causos e de grande memória ! Tivemos o privilégio da convivência com esse querido .

Barbara França disse...

Foi muito bom, Guina, você fazer este resumo do Bandeira e da sua história. Penso isto como uma bonita homenagem sua para ele que marcou a vida de todos nós que convivemos algum tempo com ele. Tarefa muito difícil contar ao mundo sobre sua eloquência, sua postura de nobreza portuguesa ancestral, que lhe dava muito orgulho, sua inteligência, vivacidade, egocentrismo, prazer de comer e cozinhar, amor pela literatura. Deixou sua marca no mundo, viveu grandes amores e conseguiu conquistar e guardar bons amigos como você. Valeu a pena ter vindo viver está experiência terrestre, com certeza.

Anônimo disse...

Comentei que, quando soube da morte do Luiz, me passou um filme ma cabeça. Um daqueles longos, maior do que Gone with the Wind.
Recordações submetidas ao tempo passado e presente. No fim passou o tempo que ele esteve aqui em casa - uma breve semana. Nesses dias, me mostrou o que ele terminou por ser. Um homem intenso - até nos equívocos. Trouxe os anos de convivência com todos vocês da assim chamada TO. Toda uma galeria de imagens de prazeres e sofrimento, muitos deles compartilhados com o Luiz. Deixa uma sensação de impotência pela perda inexorável. Deixa também. Um reconhecimento da importância que teve na forja do homem que sou. Meus agradecimentos, Luiz.

Anônimo disse...

Obrigada,Guina por nós trazer essas lembranças do grande Luis Antônio Bandeira,o nosso Bandeira !

Anônimo disse...

Triste com a partida do Bandeira, mas o tive o privilégio de conhecê-lo, aqui no Maranhão, que siga na luz com sua alegria e irreverência.

Marcia Hortencia Fornaciari Alencar disse...

Linda homenagem!! Retratou bem o nosso amigo!! Conheci o Bandeira no IFCS, ele era de uma turma anterior a minha, mas me lembro de seu carinho, de suas brincadeiras. Me lembro quando me jogava pro alto me chamando carinhosamente de Pururuca, pois a comida estava sempre presente em sua vida. Tenho ótimas lembranças afetivas do nosso amigo. Ele se foi mas está vivo em nossa memória. Obrigada pelo homenagem!!

Marcia Hortencia Fornaciari Alencar disse...

Linda homenagem!! Retratou bem o nosso amigo!! Conheci o Bandeira no IFCS, ele era de uma turma anterior a minha, mas me lembro de seu carinho, de suas brincadeiras. Me lembro quando me jogava pro alto me chamando carinhosamente de Pururuca, pois a comida estava sempre presente em sua vida. Tenho ótimas lembranças afetivas do nosso amigo. Ele se foi mas está vivo em nossa memória. Obrigada pelo homenagem!!

José Fernando De Melo Bonilha disse...

GRAND BANDEIRA!!!!!!!!!!!!!!!

Anônimo disse...

Bela homenagem Guina! Minhas lembranças mais antigas do Bandeira é da gente fazendo a revista dos alunos do IFCS na igreja de Olaria por volta de 1971 na base do mimeógrafo. E das eternas brincadeiras e apelidos inventadas por ele. O famoso seminário da Leda Barreto quando caíamos na gargalhada com as imitações que fazia. Quero guardar dele essas lembranças do tempo da faculdade. (Michel)

Mauricio Murad disse...

Que beleza!!!
Parabéns, Guina.
Belo e verdadeiro texto sobre o nosso Bandeira.
Tantas lembranças, tantas saudades...
E a foto postada trouxe de volta a nossa juventude...
De novo: quantas lembranças, quantas saudades...
Aplausos de pé, meu amigo.

Anônimo disse...

Emocionante essa homenagem a meu irmã e amigo. Homem inteligente, alegre, sempre disposto a ajudar a quem precisasse! Sonhador e lutador pela vida! Tive o prazer de viver com ele aqui bem perto de mim pelos 4 últimos anos de sua vida! Sou muito agradecida a isso! Agradecida a Deus . Ele Amava o lugar que vivo pois é no meio da natureza! Para mim ele continua vivo em tudo que vejo, sinto falta dele na mesa do café da manhã, nas caminhadas e no sol que se banhava todos os dias , no preparo do almoço o qual me ajudava sempre e o lanche da noite, quando terminava o seu dia assistindo a todos os jornais da noite sempre acompanho a política!
Saudades sem fim irmão !

Anônimo disse...

Muito boa homenagem, Aninha precisa acrescentar suas/nossas lembranças. Agora tenho uma justificativa e dinda vaga lembrança de como cheguei no Ifcs e a vcs. Minha saudosa avóe levava a ok nada que contrariado nas missas de domingo para ouvir os sermões e acho que foi aí que cheguei ao grupo e participei de alguns ensaios de "Morte e Vida de Severina".