terça-feira, 22 de janeiro de 2013

099 > As lembranças de Zu > Um trio assustado na Bahia

Novo cronista no blog, Zuíno! 
Mantendo seu tradicional estilo, Zuíno trouxe, em duas folhas datilografadas, as suas lembranças da viagem à Bahia, que nós três (Guina, Derval e Zuíno) fizemos, de carona, em 1970, comentando o que foi contado em 094 > Um trio quixotesco na Bahia.




Zu no teleférico do Alemão,
29/01/12
Sapão, o motorista do caminhão, um Scania. Gostava muito de uma música na época, "Meu canudo de papel" (Martinho da Vila). E era essa a música que tínhamos que cantar para que ele não dormisse durante a noite de viagem. Ele não dormiu, mas nós cochilamos, alternadamente.
Ele nos deixou na entrada de Vitória da Conquista. E agradecemos e nos despedimos, sob um céu vermelho com o sol já faiscando pela manhã silenciosa. E só o que me lembro de Vitória da Conquista.
Também pegamos uma carona de alguém que comentou ser parente de Glauber Rocha, nos deixando na Praça Castro Alves, diante do teatro.
Nossa chegada a Milagres foi emocionante, saltamos do ônibus e a luz se apagou. Parece que era comum à meia noite. E lá seguimos para a Igreja no clarão da lua. Era quinta para sexta ou sexta para sábado, de carnaval. Era início de fevereiro. Na casa paroquial trabalhava uma senhora, com os afazeres do lar. Ela tinha um filho, que por sinal tocava num conjunto que, por sinal, animaria a festa de Momo no clube da cidade. Foi ele que nos colocou dentro da folia, num salão em que as janelas se abriam para dentro, e entre elas, nós nos imprensávamos com a euforia de todos. Até Cidade Maravilhosa foi cantada anunciando nossas presenças. Me lembro que uma das músicas mais cantadas era “Receba as flores que lhe dou"...
Nossa ida ao baile foi o comentário do dia seguinte, principalmente porque algumas pessoas pensavam que éramos seminaristas, aí...
Bem, fomos no dia seguinte para Salvador, onde aliás não estava sendo permitida a entrada de pessoas com mochilas e etc. “Hippies” em Salvador. Por isso fomos apenas com a roupa do corpo. Era tardinha quando chegamos à Praça Castro Alves. E dali, fomos para a Liberdade, onde morava uma família que fora vizinha da família do Derval no Rio. Não havia ninguém em casa, vizinhos nos receberam e pudemos ir ao banheiro e beber égua. E voltamos para o centro da cidade para ver o carnaval baiano, embora não pudéssemos chegar muito tarde, é claro. E assim fizemos, dormimos no quarto das crianças, filhos do casal. Na manhã seguinte, logo após o café, rumamos para o carnaval. Cidade Alta, Cidade Baixa, Elevador Lacerda, Pelourinho, Igrejas, praias e os trios elétricos e seus empurrões e correrias. E o acarajé quente da baiana, como ardia, trocamos pelo frio. Lembro-me de uma avalanche de pessoas enlouquecidas pulando e gritando um refrão, Bahia, Bahia, Bahia, e sai da frente...
Certa hora as luzes das ruas se apagaram, acho que as das ornamentações. Assistimos a um desfile em que as agremiações subiam uma espécie de rampa e logo após desciam. Sem carnaval nas ruas, fomos para uma praça onde um clube fazia a festa. Como não conseguimos entrar, é claro, ficamos na porta e ali mesmo fizemos a nossa festa, muita gente nos olhava, mas alguns fizeram o mesmo, e dali saímos já pela madrugada. A casa de Liberdade era nosso ponto de referência, comer, beber, dormir. E assim na quarta-feira de cinzas rumamos de volta, com recomendações de não tomar banho na Lagoa de Abaeté. Após o carnaval mergulhava-se e não se voltava à tona. Bem, nós nadamos, claro, sem mergulhar, fizemos até bife à milaneza. Realmente ninguém tomava banho na lagoa, somente nós três e um jegue, o dono dele não.
Em Governador Valadares, nos abrigamos na Igreja Matriz, não me lembro o nome, fomos recebidos por um secretário, ou coroinha, sei lá, baixinho, gordinho de cabelo curto, falando manso, seu nome, Olinto. Fomos abrigados no auditório de um teatro. Lembro-me de ouvir o bater de bolas de sinuca ou de bilhar, eram os padres se divertindo. Nos deram um bom lanche e foi a noite de descanso.
Lembro-me de uma carona não sei onde, num caminhão pequeno e alguns homens nativos tomando cachaça e com eles na carroceria, não podíamos fazer feio. Metemos a cara.
Houve também uma carona de um Gerente de Banco, se não me engano Banco da Lavoura. Foi uma grande viagem e ele nos levou para almoçar na pensão onde ele costumava comer quando por ali passava, lembro-me bem porque este gente fina não quis canetinha alguma mas nos deu um dinheirinho bom.  Foi depois dele que pegamos a carona do tal parente do Glauber Rocha.
De volta, em Milagres, havia uma romaria, diária. Milhares de pessoas indo e vindo com velas, seguindo o correr da água que descia caudalosa. Canecas, garrafas, copos, todos queriam daquela água milagrosa. Eram muitas velas. Nós três arrumávamos as velas num reservatório da Igreja. Caixas fechadas, foi magistral a ideia de vendermos novamente e colocar o dinheiro como donativos. Mas pecamos, comprávamos cigarro, um maço pros três. Tinham várias missas, e ajudávamos no que possível. Parecia formigueiro. Havia um serviço de alto-falante, com informações e muita música com direito a dedicação e tudo. Aliás, de vez em quando ouvia: Alguém oferece essa música para algum ou para os três cariocas hospedados na Igreja. Nessa hora queríamos rir, mas nem sempre podíamos. 


Detalhe - Nossa volta a Milagres com a roupa do corpo, desde domingo, lembro que a minha roupa era toda branca. Camisa social e calça Topeca, sandálias franciscanas.
Acompanhamos o Padre Francisco numa missão, em outra cidade, em Jequié ou Santa Inês. Assistimos missa, um batizado. E também um velório. Um senhor enrolado num lençol, deitado num banco comprido, de onde foi levado até a cova. E lá foi só virar o banco, lançando o morto no buraco. De volta na casa, o café era servido e o banco voltava à sua condição.
Nota: Era um batizado coletivo... Acho que muita coisa nos escapou, afinal era muita coisa pra se ver e muita coisa assustava.
E encerra com uma anotação manuscrita:


Guina,
desculpe o papel...
Foi o que pude arranjar para o momento de tantas lembranças. 
Há mais coisas, porém creio que essas foram talvez as mais fortes, sei lá.
Há também a nossa passagem em Areal, nossas conversas com sua tia Batuta e sua avó, pasma ao saber que ficávamos pedindo carona à beira da “macadamia” ou “macadame”!
Lembra?
Beijos,
Otávio Carlos Jesuíno

Um comentário:

Paulinho Banzé disse...

Valeu! Muito bom.
Banzé
(via e-mail)