quinta-feira, 7 de março de 2024

104 > Mais despedidas...

Eis que após a perda de Luiz Antônio Bandeira, em julho de 2023, tivemos mais outras três tristes despedidas de históricos participantes da Turma de Olaria: as de Derval e Linda, ambos em Outubro de 2023, e a recentíssima morte de Alvaro, neste início de Março de 2024.

Na última década, após nossos festivos reencontros em 2010 e 2011, e mais alguns outros esparsos, o pessoal da Turma de Olaria voltou a se dispersar consideravelmente. Isto foi motivado, em parte, por razões geográficas, que  poucos permaneceram no núcleo de origem da turma, o bairro de Olaria, na Zona da Leopoldina, e suas imediações. É certo que, com os avanços tecnológicos passamos a ter também, para se comunicar, o espaço virtual (e-mails, zaps etc.), mas, na prática, aí também predominou a dispersão, só que agora pelo peso de divergências ideológicas, estimuladas pelo ambiente geral de golpismo e de radicalização política e cultural que tomou conta do país desde meados da década passada (ou por outra coisa que o valha, a depender, democraticamente, das interpretações de cada um).

Mas, certamente, ao menos uma questão (entre outras possíveis) nos une: a sensação de perda a cada vez que nos chega a notícia do fim de uma trajetória de vida que, para sempre, será paralela à nossa, nós que continuamos por aqui, por enquanto. Ou seja, a dor da morte de um(a) querido(a) companheiro(a) daqueles bons tempos da Turma de Olaria.

Derval: autorretrato?
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Derval Nunes da Rosa vivia, há algumas décadas, em Curitiba, onde trabalhou por muitos anos em Aerofotogrametria, mas sempre mantendo, em alto estilo, sua produção como pintor (veja aqui uma Exposição Virtual). Casado com Nice, acrescentou uma filha, Stella Rosa, à dupla de filhos cariocas, Felipe e Bernardo, do primeiro casamento, com Natália, quando formavam um casal-referência na história da Turma de Olaria. Derval teria feito 78 anos em 25/02/2024.


Tia Alair, a Linda.


Linda (como todos conheciam a cantora e professora Alair Velloso), foi a grande responsável pela parte musical da inventiva montagem da Turma de Olaria para a peça “Morte e Vida Severina”, na virada para os anos 1970. Foi durante muitos anos professora de música para crianças na escola Soldadinho de Chumbo, uma das principais no bairro. Faria 79 anos em 25/03/2024.

Alvaro, o tranquilo.
 

 

 



Alvaro Lopes Neto, que veio, trazido pelo Perfeito, veio de Bonsucesso para a Turma de Olaria. Depois de casado com Vera Solon, vinda do IAPI da Penha, foram viver em Brasília, e lá criaram uma bela família. Trabalhou na construção da ponte Rio-Niterói e, por muitos anos, no DNIT, sempre mantendo o seu estilo tranquilo e pacífico. Faria 77 anos em 20/03/2024.

domingo, 16 de julho de 2023

103 > Bandeira, em memória

Neste julho de 2023, a nossa turma de Olaria perdeu uma de suas figuras mais memoráveis, Luiz Antônio Bandeira. A chamada turma de Olaria tanto se espalhou pelos caminhos da individualidade como se estranhou em diferenciações ideológicas, políticas etc., mas seus participantes originais continuam tendo em comum a memória de uma especial vivência, e seus incríveis acontecimentos, dos finais dos anos 1960 e início dos 70. Nesta época, e na verdade sempre, uma de suas referências foi o Luiz, o Luiz Antônio, o Bandeira, o Cabeça, o Super-Azar ou como cada um preferia chamar.

Não me atrevo a escrever uma biografia, mas posso resumir minhas lembranças. Depois da convivência na turma da igreja da igreja São Geraldo, em Olaria, subúrbio do Rio (que começa em meados dos anos 60 e acompanhei a partir de 1968), ainda fui seu colega no curso de Ciências Sociais do IFCS da UFRJ, até a minha saída, na virada para 1973, tentando deixar para trás a repressão e a prisão de colegas.

Ainda naquela década, já formado, Bandeira partiu para o Pará, foi trabalhar na Vale e depois na Docegeo, e continuou por mais muitos anos por lá (e disso não sei muito), até que, saindo da empresa, se estabeleceu em Belém, onde se tornou uma espécie de ícone da contracultura, se interpreto bem os fatos, ao criar (e animar), na véspera do Círio de Nazaré, a Festa das Filhas da Chiquita Bacana... Fatos que nos chegavam pelas suas próprias versões, o que não deixava de ser também uma maneira de mostrar a sua criatividade...

Quando enfim retorna ao Rio de janeiro, já no início deste século, Bandeira, sempre curioso e instigante, se demonstrou um bon vivant (ainda que restringido pela aposentadoria de pouco menos de dois salários mínimos, apesar de batalhar por um acréscimo, dado o longo tempo de contribuição, ganho que, ironicamente, só lhe dariam a partir de agora) ou, aliás mais precisamente, um flâneur... Em 2011, fizemos algumas caminhadas pela Zona da Leopoldina e Inhaúma, por lugares e pessoas de memórias da Turma de Olaria e outras.

E lá ia ele, sempre, de certo modo deslocado no mundo e das pessoas, mas sempre presente na hora da reflexão, com os amigos, nas conversas sobre literatura e na diversão, em suas diversas formas... Voltamos a conviver no grupo de leituras do Buriti Sebo Literário, iniciativa afetuosa do amigo Marcos Cunha, e até tentamos os projetos que de repente trazia (por exemplo, um jornal virtual para a comunidade chinesa).

Os amigos, especialmente o acima citado, praticamente salvaram sua vida num difícil período depressivo e solitário, em que se aguentou vivendo num depósito de livros em Mesquita, na Baixada Fluminense.

Afinal a família o reabsorveu e lá foi ele para a sua última temporada, em Nova Friburgo, em um pequeno apartamento na praça principal, na qual se sentava nas manhãs de sol para ler o jornal (sempre O Globo, de que era viciado). No final de abril, sozinho no sítio da irmã, nas redondezas da cidade, sofreu uma queda durante a noite, que o levou ao hospital, evidenciando a fragilidade de suas condições físicas, ele que era soropositivo em AIDS desde os anos 1990, e indicando um possível tumor na área dos rins.

O drama que se seguiu durou mais de dois meses, com a internação em hospital público, situação de muita indefinição por parte dos profissionais e muita incerteza por parte da família. Reclamou, protestou, pediu ajuda aos amigos, recusou assédio religioso, ameaçou fugir... Foi, em suma, o que sempre foi. Até que definiram uma cirurgia, o que, de certa maneira, o aquietou: tinha, ao menos, um horizonte de definição da situação.

Assim passou sua última semana, dividindo com os amigos as receitas preferidas, lembranças afetivas de seu pai, e parecia tranquilo, paciente. Deu, porém, um premonitório toque de angústia numa das últimas mensagens: “Com o coração apertado sobre o que acontecerá depois de amanhã, essa tarde tive um sonho bonito e angustiante: ia ao encontro de Mamãe em Bonsucesso para irmos ao cinema”.

E foi assim que não voltou da necessária inconsciência da cirurgia. Deixou para nós muitas histórias, que poderão ser contadas por tantos dos seus amigos, e até pelos que, por conta de sua constante ironia, não o tragavam assim tão bem... Mas, também pelos seus próprios registros em textos, com suas mais profundas lembranças, material que andou acumulando em um vago projeto de livro.

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Este pode ser ponto de partida para uma espécie de memorial de lembranças, pelo envio de comentários ou mensagens (que posso editar), com as grandes histórias e/ou os sugestivos detalhes da convivência dos amigos com o nosso Bandeira.

 

segunda-feira, 22 de junho de 2020

102 > De passagem na pandemia, Perfeito Fortuna

Com o acúmulo de lembranças e novas histórias, e o repentino tempo disponível forçado pela quarentena necessária no enfrentamento da pandemia, diante do "novo coronavírus" da Covid-19, entre outras tragédias e desgraças no Brasil, em especial, e em todo o mundo, pois então, que se reabra o Blog da Turma de Olaria!
Marcando mais este momento histórico da nossa pequena história mergulhada na História, trago do blog Bonecos da História uma postagem sobre um dos nossos personagens que virou celebridade.

Quem reapareceu no noticiário, por conta dos recém completados 70 anos, com direito a matéria de página inteira em O Globo, sintetizada em vídeo afetuoso no YouTube (ambos os registros feitos por sua filha jornalista Maria Fortuna), e justamente quando eu me preparava (há mais de um mês, que na quarentena o tempo é relativo...) para falar dele nos Bonecos da História, foi o meu velho amigo, o agitadíssimo agitador Perfeito Fortuna.
Perfeito Fortuna em Trate-me Leão - Rio, 1977 - foto Guina Araújo Ramos
Quando digo "velho amigo" estou falando de mais de 50 anos. Eu o conheci em 1968, quando comecei a conviver com a chamada Turma de Olaria, grupo de jovens da igreja São Geraldo, católica, em Olaria, na Zona da Leopoldina, Rio de Janeiro. Nessa turma, Perfeito Fortuna era um líderes inconteste, a ponto de ser preso pela ditadura na noite do AI-5, indo passar uma temporada "animando" o xadrez, como relembra Caetano Veloso.
Antes disso, Perfeito foi não só o Severino, mas também um dos criadores da peça Morte e Vida Severina que montamos no porão da igreja e excursionamos pela redondeza. E fizemos incríveis viagens de carona, a começar pela antológica viagem a Foz do Iguaçu, feita por 14 jovens em grupos paralelos, via Presidente Prudente, navegando pelo Rio Paraná. 
E eu ainda fiz parceria com ele, entre outras aventuras, por conta das amizades com os padres que passavam pela nossa igreja, em uma surrealista viagem de carona do Rio a Presidente Prudente, e daí a Goiandira, Goiás, para visitar um padre americano que conhecemos em Olaria. E fizemos outras, coletivas, incluindo a viagem para uma pesquisa em Goiandira, da qual a anterior fora preparatória.
A partir daí, Perfeito Fortuna fez o que lhe cabia: mergulhou no mundo cultural do Rio de Janeiro!
Perfeito Fortuna e elenco da peça Trate-me Leão, Teatro Dulcina, Rio, 1977
Foto: Guina Araújo Ramos
Nem bem se dissolvera a Turma de Olaria, assumiu o seu teatro (e até reconstruiu o Cacilda Becker), e nisso se enturmou com o grupo "Asdrúbal trouxe o trombone", pontificando na montagem da peça Trate-me Leão, que fotografei inúmeras vezes, no Teatro Dulcina, na Cinelândia, e no Teatro Ipanema.
Perfeito Fortuna em seu escritório na Fundição Progresso, 2011
Foto: Guina Araújo Ramos

A partir daí, impulsivo mas lúcido, como sempre foi (e já contou as suas histórias várias vezes), inventou o Circo Voador no Arpoador, que decolou e parou na Lapa. 
Continuou viajante, dos altos astrais do Acre às performances expressivas em filmes e novelas. 
E retornou à Lapa, sempre se descolando, para se tornar a âncora da Fundição Progresso, uma espécie de novo sustentáculo dos Arcos e da noite.
Mestre Finfa e Perfeito Fortuna - festa na Fundição Progresso
Foto: Guina Araújo Ramos, 2011
Lá, em 2011, recebeu, para o que chamamos de "Um encontro perfeito", toda a Turma de Olaria, e mais a parceira Turma de Manguinhos, e ainda o lançamento do livro Estrela miúda - breve romance infinito, de Fábio Daflon, sobre a sua sobrinha Kika, figura icônica da turma de Olaria.
Foi sensacional! Resultou numa festa de arromba, uma incrível bacalhoada (afinal, Perfeito é português) com que comemoramos os 40 anos desta ampla amizade geral.

Além desta acolhida às antigas turmas da juventude, Perfeito também abriu espaço na Fundição Progresso para o lançamento do meu livro "2112 ...é o fim!", em 2013, em evento organizado por seu irmão Biel Fortuna no espaço cultural Mercado Fundação.

Todo o resto, e tudo isto que citei aqui, é história. 
Perfeito Fortuna se tornou esta figura que, apesar das pandemias, sempre destrinchou, e lhes deu o melhor dos sentidos, os pandemônios culturais que criou, encontrou ou encarou. 
E eu estou, e fico, para tentar simplificar, feliz para sempre por ter tido alguns inesquecíveis momentos de parceria com Perfeito Fortuna em sua deslumbrante trajetória na história cultural do Brasil.